Bordalo, Livia Azevedo, et al. "Cirurgia bariátrica: como e por que suplementar." Revista da Associação Médica Brasileira 57.1 (2011): 113-120.
Ainda não há recomendações absolutamente adequadas para prevenir ou tratar a maioria das deficiências nutricionais após cirurgia bariátrica. No entanto, está claro que a suplementação preventiva se torna cada vez mais importante nesse contexto. Muitos fatores estão envolvidos na causa de tais deficiências. Antes mesmo de qualquer intervenção cirúrgica, a obesidade pode estar associada a deficiências nutricionais subclínicas que podem ser agravadas após as alterações anatômicas e fisiológicas provocadas no trato gastrointestinal. Além disso, há limitação e/ou alteração na ingestão dietética. Assim, a suplementação nutricional torna-se uma alternativa terapêutica necessária, contribuindo para a perda de peso de forma saudável e, na maioria das vezes, deve ser avaliada de forma individualizada.
O uso de polivitamínicos/minerais de forma preventiva deve compor o protocolo de atendimento de todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, principalmente daqueles submetidos às técnicas que envolvem algum grau de disabsorção. O tratamento das deficiências nutricionais desses pacientes deve considerar megadoses de micronutrientes devido à menor biodisponibilidade em decorrência das alterações fisiológicas proporcionadas pelas técnicas cirúrgicas. Mais estudos são necessários para estabelecer a dosagem eficaz no tratamento das deficiências nutricionais após cirurgia bariátrica.
Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica apresentam maior risco de desenvolver deficiências nutricionais pela limitação na ingestão e absorção de diferentes nutrientes.
· Para prevenir ou tratar as deficiências nutricionais decorrentes das alterações anatômicas provocadas pelas técnicas cirúrgicas é necessário o uso de suplementação nutricional e seu sucesso depende de vários fatores, sendo uma ação importante na prática clínica.
· Atualmente a cirurgia bariátrica é considerada a ferramenta mais eficaz no controle e no tratamento da obesidade severa.
· Os benefícios da cirurgia incluem resolução ou melhora acentuada de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e hiperlipidemia.
· Deficiências nutricionais como vitamina D, vitamina A e zinco estão concomitantemente presentes na obesidade, possivelmente por exercerem papel importante na regulação da adiposidade ou nos mecanismos de regulação do apetite.
· É essencial que haja uma programação criteriosa para o acompanhamento clínico-nutricional. Tanto o pré quanto o pós-operatório, imediato e tardio, são de extrema importância para o sucesso do tratamento.
· As implicações dos procedimentos de cirurgia bariátrica no estado nutricional do paciente se devem especificamente as alterações anatômicas e fisiológicas que prejudicam as vias de absorção e/ou ingestão alimentar.
· O principal tipo de cirurgia bariátrica realizado atualmente é o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR)12, uma técnica cirúrgica mista por restringir o tamanho da cavidade gástrica e, consequentemente, a quantidade de alimentos ingerida, e por reduzir a superfície intestinal em contato com o alimento (disabsorção).
· A má absorção de nutrientes é umas das explicações para a perda de peso alcançada com o uso de técnicas disabsortivas como a derivação biliopancreática/duodenal switch (DBP), sendo que cerca de 25% de proteína e 72% de gordura deixam de ser absorvidos.
· Nutrientes que dependem da gordura dietética para serem absorvidos, como as vitaminas lipossolúveis e o zinco, estão mais suscetíveis a uma má absorção nesse tipo de procedimento.
Figura ao lado – Técnica cirúrgica do bypass gástrico em Y-de-Roux e suas principais alterações metabólicas. Os retângulos menores apresentam os nutrientes e/ou produção de hormônios (indicando pelas setas seus principais sítios de absorção e/ou local de produção).
Vitaminas e minerais são fatores e cofatores essenciais em muitos processos biológicos que regulam o peso corporal direta ou indiretamente (Quadro 1). Os benefícios metabólicos desses micronutrientes no controle da perda de peso incluem a regulação do apetite, da fome, da absorção de nutrientes, da taxa metabólica, do metabolismo de lipídios e carboidratos, das funções das glândulas tireoide e suprarrenais, do armazenamento de energia, da homeostase da glicose, de atividades neurais, entre outros. Assim, a “adequação” de micronutrientes é importante não só para a manutenção da saúde, mas também para obter o máximo sucesso na manutenção e na perda de peso a longo prazo.
Suplementação nutricional
A prevenção das deficiências de vitaminas e minerais exige acompanhamento dos pacientes em longo prazo e o conhecimento das funções desses micronutrientes no corpo humano, além dos sinais e sintomas de sua deficiência, porém, apenas 33% dos pacientes atendem a essa recomendação, e 7,7% deixam de utilizar os poli vitamínicos/minerais após dois anos de cirurgia.
Os sintomas de deficiência dos micronutrientes são geralmente inespecíficos, em níveis subclínicos, e o exame físico pode não ser confiável para o diagnóstico precoce sem que haja uma confirmação laboratorial. Dessa forma, sinais clínicos específicos só são perceptíveis na fase mais evoluída da deficiência.
A preocupação com a biodisponibilidade dos micronutrientes influencia na eficácia da suplementação. A escolha do suplemento deve considerar:
– pH (ácido ou alcalino): pH gastrointestinal necessário para a solubilização do nutriente;
– Forma de apresentação do suplemento: solução aquosa, cápsula, pó;
– Dependência de enzimas do trato gastrointestinal que auxiliam na absorção de alguns micronutrientes;
– Integridade intestinal e superfície de absorção;
– Via de administração: oral, intramuscular ou endovenosa, de acordo com a gravidade da deficiência nutricional;
– Quantidade e tipo de micronutriente presente nas formas de administração.
Com o surgimento das farmácias de manipulação, é possível elaborar fórmulas vitamínicas e de minerais de diversas combinações, na dose desejada, e às vezes com um custo semelhante ou menor ao de polivitamínicos padronizados por empresas. Ao optar por essa forma de suplementação o profissional deve estar atento à forma de prescrever.
Os polivitamínicos/mineral já disponíveis no mercado, geralmente, ácido fólico e vitamina B12 estão presentes em quantidades inferiores contendo doses moderadas de folato (200 - 400 mcg) e baixas doses de vitamina B12 (5 - 50 mcg). Todos os pacientes submetidos ao BGYR e DBP devem ser suplementados com polivitamínicos/mineral que sejam o mais completo possível, incluindo vitaminas lipossolúveis e minerais.
Alguns nutrientes exigem mistura especializada para obter máxima absorção. Por exemplo, o ferro é mais bem-absorvido em ambiente ácido e as vitaminas lipossolúveis necessitam de uma fonte lipídica. Certos nutrientes são preferencialmente absorvidos na porção proximal do intestino e outros na porção distal. Assim, o tipo de procedimento cirúrgico realizado também influencia nos cuidados com a escolha do suplemento nutricional. No bypass gástrico em Y-de- -Roux (BGYR), por exemplo, há maior prevalência de deficiência de vitamina B12, ferro e ácido fólico14. Já após a derivação biliopancreática/duodenal switch (DBP/DS), apenas 28% dos lipídios ingeridos são absorvidos.
Tiamina – Sua deficiência pode causar: o percentual de perda de peso, a persistência de sintomas gástricos (náuseas e vômitos), a não adesão ao acompanhamento nutricional, a redução de albumina e transferrina, a presença de complicações pós-operatórias e a presença de bypass jejunoileal. Pacientes com vômitos prolongados, inanição e, mais comumente, alcoolismo.
Vitamina B12 – Sua frequente ausência há sérios riscos de danos neurológicos irreversíveis. A B12 precisa ser liberada da fonte alimentar (principalmente carne vermelha), que é facilitada pela presença do ácido gástrico. A vitamina B12 livre é então ligada à proteína-R no estômago e em seguida clivada no duodeno, para ligar-se ao fator íntríseco (FI). O complexo B12- FI circula intacto pelo trato gastrointestinal até o seu local de absorção (íleo). Há uma baixa de níveis de FI em 53%. Sua suplementação pode ser na forma de spray ou sublingual como nano partículas, para aumentar sua biodisponibilidade.
Ácido fólico (AF) – Sua deficiência pode manifestar-se como anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia, glossite
ou medula megaloblástica. Sua deficiência ocorre por falta de ingestão e não de má absorção; sua deficiência pode ser tratada com a suplementação oral.
A absorção de AF ocorre preferencialmente no duodeno e ao longo de todo o comprimento do intestino delgado em decorrência de uma adaptação fisiológica pós-operatória.
A vitamina B12 é necessária para a conversão do ácido
metiltetrahidrofólico (inativo) em ácido tetrahidrofólico (ativo). Portanto, a deficiência de vitamina B12 pode resultar em deficiência de ácido fólico.
Outras deficiências:
Ferro/ Vitamina D, Calcio, Vit A e E e Proteínas.